ESCOLA ROMANA / ROMAN SCHOOL

SÃO PAULO, JORNAL FOLHA DA MANHÃ, 1948

 

Uma escola de pintura é um conjunto de sensibilidades pictóricas, reunidas sob uma base de gosto. Necessariamente, existe nela um promotor, pelas invenções do qual se desenvolvem todas as conquistas que formarão, posteriormente, o movimento a que se deva chamar escolar. Se esse movimento adquirir uma proporção maior tornar-se-ia Academia. A Escola representa uma corrente de determinada cidade ou região, ao passe que Academia é a conquista científica de todas as sensibilidade pictóricas de um determinado “século de arte”. Século de arte, pois muitas vezes não respeita exatamente a estrutura do calendário, começando ela depois do principio de um século e terminando sem concluir o percurso de cem anos. Existem ainda pintores que não sendo dotados de uma excessiva genialidade, insistem na ultra-continuidade de uma Academia fenômeno de sobrevivência, contrária à natureza humana, a qual está sujeita a continuas evoluções. A única razão que induz tais criatura a não viver a própria época - nobre função reservada aos homens capazes – é a sua fraqueza não confessada, aliada a um desejo de não mudar uma missão que lhes não pertence. Uma importante escola de pintura existe hoje em Roma. O verdadeiro criador desta escola foi Scipione - que morreu muito jovem, durante a primeira guerra mundial - deixando como continuador de sua obra o pintor Mafai, seu aluno. Mafai enriqueceu de colorido inspirado nos pintores do “Cinquecento” os quadros “sanguigni” de Scipione, porém conservou um galo misterioso, acompanhado de uma comoção humana, que são as características indivisíveis da obra de seu mestre. Ao jovem Mafai juntaram-se outros jovens e valorosos artistas, os quais, inspirados nele, tomaram rumos diversos. Hoje, a Escola Romana conta com um Omiccioli, um Capogrossi e inúmeros outros pintores de destaque que, infelizmente, em face do longo isolamento da Itália, não são ainda conhecidos nos meios culturais estrangeiros. Em outra oportunidade, veremos quais as vantagem e os defeitos de uma Escola de Pintura. Mas, sem receio de errar, podemos dizer que uma Escola é um marco de civilização porque assinala um nível elevado e, doando a sua ciência, funciona como parte passiva e se enriquece com a contribuição subjetiva do artista.

A school of painting is a set of pictorial sensibilities brought together under a basic aesthetic taste. Necessarily, it has a promoter from whose creative work all the achievements that subsequently will shape the movement to be called a ‘school’ will be developed. Should a movement acquire greater proportions, then it would become an Academy. While a school stands for a trend of thought in a given city or region, an Academy is the learned accomplishment reached by all the pictorial sensibilities from a certain “century of art.” However, in many cases a century of art is not an exact match for the calendar period. It may at times start after the turn of a century and end short of one hundred years later. There are also painters who, not being endowed with remarkable genius, insist on the everlastingness of the academy as survival shelter, thus contradicting human nature, which is subject to continuing evolution. The only reason for such characters not to live in their own time –a noble function reserved for capable individuals – is their unconfessed weakness, combined with a refusal to change a mission that is not their own. There is an important school of painting in Rome today. Its real founder was Scipione, who died very young – during World War I –, leaving his pupil Mafai to continue his labor. Mafai enriched his work with coloring, drawing from the Cinquecento and from Scipione’s sanguine paintings for inspiration. Yet, he retained a mysterious aura and human poignancy, both characteristics that were inseparable from the work of his master. The young Mafai appealed to other talented young artists, who looked at him for inspiration and then followed different paths. Today, the Roman School has an Omiccioli, a Capogrossi and countless other outstanding painters, who, unfortunately, remain unknown in foreign cultural circles due to Italy’s longstanding isolation. On another occasion, I shall discuss the advantages and drawbacks of a school of painting. However, make no mistake, a school sets a milestone for civilization, it denotes a high benchmark while sharing its acquired knowledge and acting as recipient enriched by the subjective contributions of artists.

EXPOSIÇÃO DE ESCULTURAS NO MUSEU DE ARTE MODERNA / EXHIBITION OF SCULPTURES AT THE MUSEU DE ARTE MODERNA

SÃO PAULO, JORNAL FOLHA DA MANHÃ, 1948

 

Trabalhos de da. Maria Martins se apresentam como objetos insolitos, possiveis residuos da fauna e da flora, identificaveis como ossos roidos, fragmentos de conchas e arvores mutiladas pelo corte lutuoso do raio. O acaso naturalista, apreciado através da critica artistica, aliado à tematica inconfundivel da escultora, proporciona-nos uma forma organica, guarnecida de materia porosa e de membros animados (escultura 4). Há tempos, alguem pensou que poderia fazer arte copiando as formas da natureza; hoje há quem pretenda substituir a natureza pela criação de formas de especies imaginarias. Acontece, porem, que a investigação cientifica esvaziou a forma fisica do misterio, da alma e de outras fantasiosas invenções. Por esta razão, em arte, voltou-se a valorizar a imagem artistica e na escultura, em particular, a linguagem do volume nas relações plasticas. Desde que a figura deixou de proporcionar uma sensação artistica, a “prova da unidade” passou a desmascarar as extravagancias, os arbitrios e os amontoados incoerentes e fortuitos de elementos meramente organicos. O prolongamento articulante da arvore (escultura 24) por exemplo, ou as figuras mergulhadas entre algas penteadas (escultura 3) escapa à ordem artistica: seus elementos não estão ligados pela harmonia e o conjunto não goza de equilibrio plastico. Na realidade, trata-se ainda de plantas, de cobras, de complexos fisicos, ou melhor, do ponto de vista artistico, de uma congerie de materiais sem expressão alguma. Para aqueles que apreciam a narração na escultura, indicamos a tematica dos trabalhos expostos, a da peça n.o 9 em particular. Encontrando-se as formas em estado natural – isto é, não elaboradas plasticamente, portanto desprovidas de realidade – pode o assunto denunciar o fundamento de tais deformações. A este proposito, torna-se necessario diferenciar as deformações que caracterizaram certas tendencias “modernas” e que tinham finalidades plasticas, das que ora citamos, as quais tendem à criação dos simbolos da sensualidade ideal, extratemporal. Uma floresta sombria nasceu no Museu de Arte Moderna. Da terra exgotada brotam caveiras (escultura 12). As dores deformam os semblantes e os animais não proliferam, porque os generos são multiplos e a especie extranatural (escultura 8). As aves emprestam seu esqueleto aos peixes e vive aí uma mulher que não se turba por ser atormentada por uma cobra, pois não possui olhos para ver e está coroada de chifres de veado (escultura 28). Uma representação cenica que é analise inocua; figuras fantasticas e faunescas que a lei plastica reduz a silhuetas caricaturais. O significado do uso de diferentes materiais, aproveitados para tornar mais “vivas” e diferenciadas as figuras, confirma o carater maquinal desta produção, cujas particularidades concretas poderiam ser precisas, num plano mais favoravel, através de um estudo de indole social. De qualquer maneira, considerando o fundamento moral da arte, a obra realmente artística passa a ser um instrumento de saneamento e melhoramento moral. No caso particular, o julgamento do público dirá da utilidade de tais esculturas..

Works by Maria Martins appear as uncommon objects, possible remnants of fauna and flora, identifiable as gnawed bones, fragments of shells and trees mutilated by the mournful cut of the thunderbolt. The naturalist randomness, appreciated through artistic criticism, allied to the sculptor’s distinctive thematic, provides us with an organic form, furnished with porous material and animated members (sculpture 4). In former times, someone thought they could make art by copying the forms of nature; today, there are those who aim to substitute nature by the creation of forms of imaginary species. It just so happens, however, that scientific investigation has emptied the physical form of its mystery, soul and other fanciful inventions. For this reason, in art there has been a return to valuing the artistic image, and particularly in sculpture, the language of the volume in the plastic relations. Ever since the figure stopped providing an artistic sensation, the “unity test” began to unmask the extravagances, the arbitrariness and the incoherent and accidental piling up of merely organic elements. The articulating prolongation of the tree (sculpture 24) for example, or the figures immersed among coiffured algae (sculpture 3) escapes from any artistic order: their elements are not linked by harmony and the set does not possess a plastic balance. In reality, the work moreover involves plants, snakes and physical complexes – or stating it better, from an artistic point of view, a jumble of materials without any expression. For those who appreciate narration in sculpture, we point to the thematic of the works shown, that of piece #9 in particular. As the shapes occur in a natural state – that is, they are not artistically elaborated and therefore lacking reality – the subject can denounce the foundation of such deformations. To this end, it becomes necessary to differentiate the deformations that characterize certain “modern” trends, and which had plastic aims, from those we cite now, which tend toward the creation of symbols of ideal, extratemporal sensuality. A shadowy forest was born at the Modern Art Museum (Museu de Arte Moderna). Skulls sprout from the exhausted earth (sculpture 12). The visages are deformed by pain, and the animals do not proliferate, because the genera are multiple and the species is extra-natural (sculpture 8). The birds lend their skeleton to the fish and there lives a woman who is unruffled by the threat of a snake, because she has no eyes to see and is crowned by deer antlers (sculpture 28). A scenic representation which is an innocuous analysis; fantastic animal-like figures reduced by plastic principles to caricatural outlines. The meaning of the use of different materials, used to make the figures unique and more “alive,” confirms the mechanical character of this production, whose concrete particularities could be precise, on a more favorable plane, by means of a study of a social nature. In any case, considering the moral basis of art, the really artistic work becomes an instrument of moral repair and improvement. In this particular case, the public’s judgment will establish the use of such sculptures..